CPV042 - Soberano. O boi, o chifre, o laço e o retrato
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CPV042 - Soberano. O boi, o chifre, o laço e o retrato

Na história da música caipira várias canções fizeram muito sucesso na época que foram lançadas e romperam a barreira do tempo de do espaço, sendo regravadas e ouvidas até hoje. Em alguns casos, o sucesso foi tanto que, além de regravações, elas ganharam canções em resposta e até continuações das histórias por elas contadas e cantadas.


E na prosa de hoje vou contar pra você a história e os bastidores de uma das modas de violas mais icônicas da música caipira. Escrita em 1953 e gravada inicialmente pela dupla “Zé Carreiro e Carreirinho” em 1955, fez e faz Tanto sucesso que serviu de inspiração pra várias respostas e continuações da história do boi mais famoso do cancioneiro caipira: O Boi Soberano. Vai assuntando...


Izaltino Gonçalves de Paula: O compositor


Curioso de coração. É assim que se intitula Izaltino Gonçalves de Paula, poeta e compositor, autor da letra de uma das modas de viola mais regravadas e cantadas de todos os tempos, Boi Soberano.


Izaltino Gonçalves - Foto by Sergio Isso

O poeta nasceu na cidade de São José do Rio Preto, em São Paulo, no dia 14 de abril de 1929, filho do casal Lázaro Gonçalves e Ambrósia Victória de Oliveira.

O homem que se expressa em versos e rimas nunca frequentou escola, mas aprendeu, desde os 6 anos, a juntar letras e a compreendê-las, graças à sua boa memória e às irmãs que o ensinavam as letras. A partir daí, matutava até formar as palavras. Antes disso, com apenas 5 anos de idade, acompanhou o pai e os irmãos na roça para a colheita de algodão.


Em 1936, a família mudaria para a área rural de Tanabi. Eram 12 irmãos: Oito mulheres e quatro homens. Eles trabalhavam na roça e faziam serviço de carpinteiro, construindo casas, porteiras, carroças e carros de boi.


Izaltino conta que lá na roça não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha vitrola, não tinha nada, por isso ele tocava um violãozinho e cantava uns versos pra alegrar a rapaziada.


A primeira música, que ele compôs, aos 22 anos, foi Penacho, gravada em 1953 por Tonico e Tinoco.

Boi Soberano viria apenas três anos depois, em 1954 e foi gravada inicialmente por “Zé Carreiro e Carreirinho”, em 1955.


Aos trinta anos, casou-se com Laurinda Batóchio, com quem teve duas filhas e um filho.

Ele lembra da época em que se interessou pelo ofício de relojoeiro, profissão que o acompanhou por mais de quatro décadas. Ainda morava no campo, e vendeu o cavalo para fazer um curso à distância. Conquistou clientela e, um ano depois do casamento, foi morar na cidade, no início da década de 1960.

 

O Boi Soberano


Boi Soberano foi gravada inicialmente por Zé Carreiro e Carreirinho. Depois, por Pedro Bento e Zé da Estrada, Tião Carreiro e Pardinho e vários outros artistas. Agora vamos ouvir a primeira gravação de Boi Soberano, de 1955, na voz de Zé Carreiro e Carreirinho.


Me lembro e tenho saudade do tempo que vai ficando Do tempo de boiadeiro que eu vivia viajando Eu nunca tinha tristeza, vivia sempre cantando Mês e mês cortando estrada no meu cavalo ruano
Sempre lidando com gado, desde a idade de 15 anos Não me esqueço de um transporte, 600 bois cuiabanos No meio tinha um boi preto por nome de Soberano
Na hora da despedida, o fazendeiro foi falando Cuidado com esse boi que nas guampas é leviano Esse boi é criminoso, já me fez diversos danos Tocamos pelas estradas, naquilo sempre pensando
Na cidade de Barretos, na hora que eu fui chegando A boiada estourou, uai, só via gente gritando Foi mesmo uma tirania, na frente ia o Soberano

A partir de agora, vamos ouvir as duas ultimas estrofes nas vozes e viola dos jovens Mayck & Lyan, que regravaram Boi Soberano em 2020. Ou seja, 65 anos depois da primeira gravação. Vai assuntando:

O comércio da cidade, as portas foram fechando Na rua tinha um menino, decerto estava brincando Quando ele viu que morria, de susto foi desmaiando Coitadinho, debruçou na frente do Soberano
O Soberano parou, uai, em cima ficou bufando Rebatendo com o chifre os bois que vinham passando Naquilo, o pai da criança de longe vinha gritando
Se esse boi matar meu filho, eu mato quem vai tocando Quando viu seu filho vivo e o boi por ele velando Caiu de joelho por terra e para deus foi implorando Salvai, meu anjo da guarda, deste momento tirano
Quando passou a boiada, o boi foi se retirando Veio o pai dessa criança e comprou o Soberano Esse boi salvou meu filho, ninguém mata o Soberano
 

O Chifre do Boi Soberano


E a história do boi soberano fez tanto sucesso que mereceu continuações: Apesar do pai da criança ter comprado o boi soberano e afirmado que ninguém o mataria, o tal boi não era imortal e um dia, acredito eu, deva ter morrido de morte morrida. Pois assunta só o que aconteceu depois que o Boi Soberano partiu fora do combinado.

Na cidade de Andradina um boiadeiro chegou Com mil e quinhentos bois, com destino ao matador Com latidos de cachorro a boiada estourou Foi grande a correria, era só grito que ouvia Não tinha quem socorria, mais um milagre deus mandou!
A boiada esparramou pelo centro da cidade Batendo os cascos na rua parecia tempestade tinha um criança brincando em sua simplicidade Levaram um grande espanto, foi grito por todo canto Por milagre de algum Santo não houve fatalidade.
Apareceu um berranteiro com um berrante repicando Naquele mesmo instante a boiada foi parando Para perto do peão a boiada foi chegando Era um gadão de raça, ficaram todos sem graça Sem fazer mais ameaça, vinham todos berrando!
Com o som desse berrante vi muita gente chorando Cheguei perto do peão e fui logo perguntando Pela marca do berrante, assim ele foi falando: Marca nele não há, você pode acreditar, Este berrante que aqui está é o chifre do Soberano!
O Soberano morreu mais sua fama ficou Do couro foi feito um laço que até hoje não quebrou Do chifre este berrante; o meu pai quem fabricou Recebi como herança, e guardo como lembrança Eu sou aquela criança que o Soberano salvou!
 

O Laço do Boi Soberano


O Soberano morreu mais sua fama ficou.

Do couro foi feito um laço que até hoje não quebrou.

ABEL E CAIM assuntaram esse trecho e logo emendaram...

De São Paulo a Goiás um fazendeiro seguia O dia estava chuvoso a pista escorregadia Seu automóvel de luxo na chuvarada rompia E chegando no rio Grande pra fazer a travessia Numa forte derrapada saiu fora da estrada E dentro do rio caía
Lutando desesperado do seu carro ele saiu O seu grito de socorro de longe um peão ouviu Galopando seu cavalo o fazendeiro ele viu Entre as chuvas que caía com firmeza conseguiu Jogar seu laço ligeiro e laçando o fazendeiro Arrastou fora do rio ai
O fazendeiro tremendo com a voz entrecortada Foi agradecendo o peão contando a vida passada É a segunda vez que vejo minha vida ameaçada Na minha saudosa infância que sempre será lembrada Na cidade de Barretos fui salvo por um boi preto De um estouro de boiada
O peão disse esse boi que o senhor está falando Há muito tempo morreu, mas a fama vai ficando E mesmo depois de morto continua lhe salvando Ele deixou seu valor ai neste meu laço leviano Este laço é meu tesouro ele foi feito do couro Do famoso soberano
 

Retrato do Boi Soberano


Veja você que além do chifre o do laço, do Boi Soberano também restou um retrato.

E dessa vez quem conta a história é Tião Carreiro e Pardinho.

No braço desta viola quero contar quem eu sou No meu tempo de menino este caso se passou Fiquei ciente da história porque meu pai me conto O velhinho foi falando com a voz quase apagando Do seus olhos marejando Duas lágrimas rolou
Meu filho nunca duvide do poder do criador O retrato de um boi preto nesta hora me mostrou Esse boi é o soberano que um dia lhe salvou Não me sai mais do sentido quando eu vi você perdido Na hora fiz um pedido E o milagre Deus mandou
Na cidade de Barretos muita gente presenciou O passar de uma boiada com destino ao matador Repiquei o meu berrante quando a boiada estorou Nesse momento tirano você estava bricando Quando o boi Soberano Na sua frente parou
Os grito dos boiadeiro de muito longe escutou A rua cobriu de poeira quando a boiada passou Quem assistiu a passagem de emoção até chorou Esse boi lhe defendia com tamanha valentia Que até chorei de alegria E o povo se admirou
Este caso do passado assim meu pai me contou Do milagre acontecido eu fiquei conhecedor Fui crescendo e fiquei moço hoje sou um cantador Vou seguindo meu destino e por um milagre divino E eu sou aquele menino Que o Soberano salvou
 

O Legado de Izaltino Gonçalves de Paula


Izaltino calcula que compôs ‘beirando 30 músicas’ e que nunca parou de escrever.

Possui cadernos cheios de poesias.


Chora, Morena, Chora foi gravada por Vieira e Vieirinha, Assunta aí...


Pequeno não é Pedaço, foi gravada por Cacique e Pajé.

Segundo o Sr. Izaltino


A boa música tem que ter suspense. A gente começa uma moda e as pessoas aguardam um final. Então eu mudo o final. Se o boi Soberano tivesse matado o menino, não teria novidade nenhuma, era o esperado. Mas o boi salvou o menino, esse é o suspense, a novidade. É difícil achar um bom tema e o mais difícil ainda é saber contá-lo.

Mas a história do tal Boi Soberano aconteceu de fato, ou foi só um causo?


Seu Izaltino lembra que, quando decidiu fazer uma moda de boi, começou a pensar em um nome com a inicial consoante. Antes de chegar a Soberano, cogitou batizá-lo de Cigano, Minuano e Tucano. A história do boi-herói que salva o menino quando a boiada estoura em Barretos é pura ficção. Ele mesmo atesta em uma entrevista que concedeu ao Cadero de Cultura, do Diário da Região, em São José do Rio Preto. Na ocasião ele conta o seguinte:


Não é real, nenhum compositor gosta de escrever coisas reais. É igual contar piada que todo mundo conhece. Quem vai comprar o disco por causa daquilo? Eu criei a história.

De qualquer forma, Izaltino Gonçalves é um cronista das coisas relacionadas à lida rural, que alicerça nossa cultura e escreve coisas que profundamente nos emocionam.

E quer saber de uma coisa... Mesmo sendo uma ficção, A história do Boi Soberano tem um lugar cativo no coração deste caipira que vos fala.


Obrigado, Senhor Izaltino Gonçalves de Paula, por seu legado poético e por inspirar novas rimas caipiras!

 

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Fonte:

  • Caderno de Cultura do Diário da Região São José do Rio Preto, 14/02/2016;

  • Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB);


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